quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

O que é paz?

O que é paz?

O vocábulo paz possui conotações diversas na língua portuguesa, entre elas, a "de um estado de um país que não está em guerra, união, concórdia nas famílias ou tranquilidade da alma."1 Existem na literatura tantas definições de paz quanto às disciplinas que a estudam (Columa, 2001). Independentemente do seu significado referencial, paz é a condição de vida que almejamos em todas as dimensões da existência humana, incluindo a política, social, psicológica e pessoal.
Paz tem uma conotação positiva e negativa, sendo que a primeira pressupõe certos padrões de justiça, harmonia com a natureza, cidadania e participação em formas democráticas de governo. Na Paz negativa existe a priori algum tipo de conflito a ser combatido. Daí a dicotomia Paz Positiva, que constrói a paz como parte do currículo escolar regular, e Paz Negativa, cujo objetivo é a contenção e prevenção de diferentes manifestações da violência.
A ausência de guerras ou a não-violência, por sua vez, não necessariamente pressupõe a existência da Paz. Esta envolve mais que a não-violência. A paz significa seres humanos trabalhando juntos para resolver conflitos; ela respeita padrões de justiça, satisfaz necessidades básicas do homem e honra os direitos humanos (Morrison & Harris, 2003).
Em contrapartida, o mundo de hoje, longe de propiciar a paz que tanto idealizamos, está cada vez mais conturbado e violento. E a mídia e as fontes de entretenimento em geral agravam essa situação reportando incessantemente notícias que vão desde a destruição do planeta à destruição de vidas por guerras, pela violência urbana e as mais diversas formas de opressão.
Hannah Arendt, filósofa e prolífera escritora sobre direitos humanos e o fenômeno da violência, constatou que "muito da presente glorificação da violência é causada pela severa frustração da faculdade da ação no mundo moderno" (1994, 60). Pode-se claramente deduzir do pensamento de Arendt sobre a importância do agir e reagir perante tal fenômeno que certamente se aplica amplamente ao tema em questão.
A cultura da violência
No campo da educação, há muito que discorrer sobre o tema. Refletindo o mundo lá fora, a escola atual enfrenta conflitos e enormes desafios. A cultura da violência, normalmente associada à exclusão social, altos índices de desemprego e falta de oportunidades de ascensão, enfraquece os alicerces da escola e desnorteia seu rumo.
Isto tem gerado uma crise de identidade da escola pública, para empregar a frase de Nascimento, pois ela tem sido incapaz de promover, a longo prazo, uma melhor qualidade de vida para os alunos, tradicional missão da escola. Como consequência, "pais e educadores/as têm manifestado uma grande preocupação com as frequentes expressões da violência no interior das escolas, tais como: a interferência e a presença do narcotráfico no cotidiano escolar, a depredação dos prédios e materiais escolares, as brigas e agressões entre alunos/as e entre estes/as e os adultos que trabalham nas escolas e a violência familiar, que apesar de estar localizada, quase sempre, fora dos muros escolares, interfere significativamente no trabalho que aí se realiza" (2000, 48 ).
Uma elaboração sobre as causas da deteriorização do ensino público estaria fora do escopo desta seção nem caberia atribuí-la exclusivamente à violência escolar. Talvez esta seja a causa, não consequência. No entanto, pode-se concluir com um grau de certeza que a violência é um reflexo da crise de valores (morais, éticos, humanísticos) em que a violência se insere e que o Brasil e o mundo em geral atravessam.
Educar para a paz
No entanto, o contexto sócio-político em que se dá a Educação Para Paz (EPP) é fator determinante para a realização de metas e objetivos (Solomom & Nevo, 2002). Cada país implementa programas e trata do assunto de acordo com sua própria visão cultural. Consequentemente, o ensino da EPP difere quanto à ideologia, ênfase, conteúdo, práticas e objetivos.
Na Austrália, por exemplo, a EPP enfrenta o desafio do etnocentrismo enquanto tenta, ao mesmo tempo, promover o desarmamento nuclear e a diversidade cultural. No Japão, enfatiza-se o tipo de responsabilidade pelos atos de violência cometidos no passado e o militarismo assim como o desarmamento nuclear. Nos Estados Unidos, interessa-se mais pelo combate ao preconceito racial, à violência e questões sobre o meio-ambiente. Em países em desenvolvimento, a maior preocupação é com o que se denomina "violência estrutural", ou seja, a desigualdade sócio-econômica e injustiça social.
Além disso, a EPP pode abordar a violência de três formas distintas (Morrison & Harris, 2003): Manter a Paz, Fazer a Paz e Construir a Paz. Para Manter a Paz, educadores utilizam atividades de prevenção da violência a fim de criar nas escolas um clima organizado de aprendizagem que se assemelha a políticas governamentais que investem recursos astronômicos em defesa e prisões para garantir segurança a seus cidadãos. Para Fazer a Paz, a resolução de conflitos se tornou uma das reformas escolares mais empregadas nas últimas décadas; os alunos aprendem técnicas de resolução de disputa na tentativa de resolverem construtivamente seus próprios conflitos. Para Construir a Paz, observa-se ainda uma escassez de métodos, por esta ser menos divulgada que as outras. Nesta abordagem, a paz é construída, ou seja, é cultivada desde a infância escolar por meio de um incentivo de atitudes positivas e implementação de valores promovendo um mundo mais justo e igual. Este é o programa encontrado nas denominadas 'regiões de relativa tranquilidade'.
A EPP não deve ser rígida nem padronizada, concluiu Reardon (1997) após analisar mais de uma centena de currículos nesta área. Segundo a pesquisadora, a EPP atua, respectivamente, nos domínios da cognição, do comportamento e da atitude nas oito seguintes áreas: cooperação, resolução de conflito, não-violência, direitos humanos, justiça social, recursos mundiais, meioambiente global, e compreensão multicultural.
Os programas em EPP, no entanto, não estão isentos de problemas. A prática ainda se vê defasada em relação à teoria; há escassez de avaliação dos programas (somente 30% dos programas mundiais em EPP são avaliados); e a aplicação de um currículo em EPP nem sempre se transfere para outros locais (Solomom & Nevo, 2002).
A partir destas conclusões e das idéias acima introduzidas, em seguida o tema será explorado do ponto de vista da aplicação destas idéias na realidade educacional no Brasil como em qualquer país onde a Educação para a Paz, em ambos os sentidos de Construir e Fazer a Paz, se faça urgente e vital.
Sugestões práticas
Primeiramente, a Educação para a Paz deve ser embasada em uma compreensão significativa de conceitos fundamentais tais como os fatores que causam a violência, o real significado da não-violência e os métodos pedagógicos disponíveis para alcançá-la ou mantê-la.
Quanto aos métodos de EPP, há uma vastidão de propostas de metodologias e currículos que traduzem os anseios de educadores e especialistas nesta área. Normalmente avocam o uso de conhecidas técnicas como a cooperação, a colaboração, o diálogo, a criatividade, e o altruísmo. Algumas metodologias são mais gerais e abrangentes enquanto outras, mais específicas e localizadas. Embora não sejam propriamente revolucionárias em termos de concepção, elas podem tornar-se instrumentos úteis e eficazes.
As recomendações serão listadas a seguir, constituindo uma pequena amostra das mais relevantes idéias extraídas de diversos autores. Independente do objetivo para que possa ser utilizado, o conteúdo das recomendações oferece mais uma forma de reflexão sobre esse tema. Elas tendem a ser específicas ou abrangentes, aplicando-se, respectivamente, ao âmbito escolar e educadores ou à sociedade e ao governo. As dez recomendações que se seguem, porém se aplicam somente ao âmbito escolar, ainda de que forma bastante ampla.
Finalmente é importante ressaltar, conforme anteriormente mencionado, a importância da avaliação dos programas de EPP e de sua implementação direcionada às necessidades locais de cada região ou de cada país, tendo em mente que trabalhar para a construção permanente da paz é sempre o ideal de todos nós.
Recomendações finais
1. Promover uma educação que envolva valores humanos e sociais, resolução de conflitos através do diálogo e a construção da justiça (Nascimento, 2000).
2. Desenvolver uma cultura dos direitos humanos através do reconhecimento da dignidade de cada pessoa (Candau,2005).
3. Redefinir o papel da educação, onde predomine a forma da "violência estrutural" (Nascimento, 2000).
4. Dar voz aos estudantes e desenvolver formas participativas de construção de normas (Nascimento, 2000).
5. Lutar pela manutenção da paz ressaltando a valorização da ética, da criatividade, das experiências e da reflexão constante sobre nossas ações (Beauclair, 2007).
6. Identificar recursos e material de apoio a serem utilizados num curso, currículo ou programa em EPP, quer seja ele informal ou formal (Morrison & Harris, 2003).
7. Refletir sobre o impacto de nossas ações sobre o meio físico e psicológico da escola e do ambiente à nossa volta (Beauclair, 2007).
8. Estimular a aquisição de competências, as quais os alunos poderão utilizar para desenvolverem estratégias não-violentas para toda a vida (Columa, 2001).
9. Focar na formação de um ser social com o potencial de falar e se comunicar, como principal estratégia para a resolução de conflitos (Nascimento, 2000).
10. Criar sentido para a construção de um novo tempo num mundo em complexa interdependência (Beauclair, 2007).

Referências
Arendt, H. (1994). Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume - Dumará.
Beauclair, J. (2007). No tempo do possível: notas sobre educação para a paz. Em Revista Iberoamericana de Educación,42(2), 1-6. Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura (OEI),.
Columa, E. (2001). Educação para a paz. Revista Educação e Ensino-USF, 6(2), 37-41.
Johnson, M. L. (1998). Trends in peace education. ERIC Database.
Morrison, M., & Harris, L. (2003). Peace education. (2ª ed.). Jefferson, Carolina do Norte: McFarland & Company.
Nascimento, M. (2000). Por uma educação pela paz e pela não violência. Revista Novamerica, (48).
Reardon, B. A. (1997). Human rights as education for peace. Em G. Andreopoulos & R. P. Claude (Eds.), Human Rights Education for the Twenty-First Century (21-34). Filadelfia: University of Pennsylvania Press.
Solomom, G., & Nevo, B. (2002). Peace education: the concept, principles, and practices around the world. Nova Yorque: Lawrence Erlbaum Associates.


Sobre a autora:
* Elizabeth dos Santos Columa (ecoluma@gmail.com) - educadora bilíngüe e consultora para empresas brasileiras e multinacionais nas áreas de competência intercultural, comunicação comercial e resolução de conflitos.
1 Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis, Editora Melhoramentos, São Paulo, 1998.

Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572007000200023

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